DownloadVacina e soro contra o vírus da raiva distribuídos para o Sistema Único de Saúde pelo Instituto Butantan
A raiva é uma doença infecciosa grave, que acomete mamíferos como cães, gatos, bovinos, macacos, morcegos e outros animais silvestres, além do homem, e mata praticamente 100% dos seres que a contrai. Seu combate é uma questão de saúde pública, que envolve a vacinação preventiva de veterinários, biólogos, funcionários de laboratórios e profissionais que trabalham em risco de se contaminar com o vírus rábico, como quem faz a captura e a vacinação de animais e quem trabalha em zoológicos, entre outras ocupações. A imunização profilática também é importante para quem sofreu ataque animal, medidas que controlaram a circulação do vírus ao longo dos anos.
“Este é um vírus antiquíssimo, que foi relatado em 23 antes de Cristo e registrado na literatura como o ‘vírus da loucura’, responsável por mortes no mundo inteiro. Em 1885, Louis Pasteur [1822 – 1895] fez a primeira vacina contra raiva e, desde então os cientistas trabalharam muito para a evolução desta vacina para que ela ficasse segura e eficaz. A vacina, seja para humanos ou animais, tem um papel importantíssimo no controle da doença”, explica a gerente de Desenvolvimento de Processos do Laboratório Piloto de Vacinas Virais do Instituto Butantan, Neuza Frazatti Gallina.
Apesar da vacina disponível, novos casos de raiva voltaram a surgir no Brasil este ano, causando a morte de dois agricultores – um em Minas Gerais e outro no Ceará. Um foi infectado no manejo de um bezerro contaminado e outro foi mordido por um sagui doente, animais que não estavam vacinados.
Campanhas de vacinação de cães e gatos do Programa Nacional de Profilaxia da Raiva (PNPR) do Ministério da Saúde criado em 1973, implantou entre outras ações, a vacinação antirrábica canina e felina em todo o território nacional, que intensificadas a partir da década de 1980 no Brasil, conseguiram controlar a disseminação da raiva entre caninos e felinos e, por consequência, no homem.
Em 1999 o Brasil registrou 1.200 cães positivos, sendo que em 2021 foram 11 casos, todos identificados com variantes de animais silvestres, segundo o Ministério da Saúde. Enquanto os casos de infecção com variantes 1 e 2 do vírus, que acometem cães e gatos, veem diminuindo, os casos mais recentes envolvem outras variantes, sobretudo a variante 3, de morcegos hematófagos, que se alimentam do sangue de bovinos, equinos e outros animais, responsáveis pela transmissão secundária (ou spillover), essa mais difícil de controlar, explica Neuza.
“Quando se detecta um caso de raiva humana ou canina, entra em ação o que se chama de controle de foco, ou seja, se vacinam todos os animais e pessoas de contato. Mas como o vírus continua a circular entre animais silvestres e estes migram para as cidades em virtude do desmatamento e da expansão urbana, os casos de transmissão secundária se tornaram um problema para as autoridades sanitárias”, destaca a pesquisadora.
Vale ressaltar que as vacinas de uso veterinário e humano são diferentes, e a última é distribuída ao Sistema Único de Saúde (SUS) pelo Instituto Butantan, que modernizou sua formulação ao longo dos anos.
“O Butantan começou a fazer a vacina da raiva na década de 1950 usando inicialmente cérebros de carneiro e camundongos para crescer o vírus rábico e fazer uma vacina inativada. Ao longo dos anos, o processo de produção desta vacina foi evoluindo e hoje ela é feita com células Vero, cultivada em meio livre de soro, o que deixou a vacina mais pura e mais potente”, destaca Neuza.
A vacina, inclusive, rendeu à Neuza e sua equipe o Prêmio Péter Murányi Saúde 2010, láurea que reconhece trabalhos inovadores na saúde, pela vacina inédita contra a raiva em meio livre de soro, feita nessas células, aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2008. A pesquisadora recebeu novamente o prêmio este ano pelo projeto da vacina da dengue do Butantan.
Entenda mais sobre a doença neste tira dúvidas abaixo:
Como se contrai a raiva?
A raiva é um vírus RNA da família Rabhdoviridae, gênero Lyssavirus, transmitido por mordedura, lambedura ou arranhadura do mamífero infectado que vai repassar o vírus pela saliva. O vírus pode ser transmitido por animais silvestres, como morcegos, macacos e raposas, por animais domésticos como cães e gatos e por animais que convivem em ambientes rurais como bovinos e equinos. O período de incubação do vírus em humanos é de até 45 dias; em animais é de 30 dias, em média.
Quais os sintomas da raiva em humanos?
Os sintomas são bem variados porque o vírus circula lentamente pelo organismo do infectado causando os sintomas à medida que o corpo é tomado por ele. Começa com mal-estar, inquietação e evolui para aumento de salivação, irritabilidade, paralisia, confusão mental até atingir o coma e a morte cerebral. Estes sintomas também são observados em animais – e alguns deles também se isolam no escuro ou embaixo da cama, e demonstram pavor do contato com água, por exemplo.
Como prevenir a raiva?
Vacinar os animais anualmente ainda é considerada a forma mais eficaz de prevenção. Outra forma é oferecer doses da vacina de forma preventiva para veterinários e tratadores, entre outros profissionais, que correm mais risco de ter contato com os animais infectados. É recomendado também aos profissionais que recebem a vacina preventivamente fazer o controle de anticorpos protetores regularmente.
Como tratar a raiva?
Quando o vírus acomete humanos, ele se replica no local da ferida e atinge o sistema nervoso central, provocando uma inflamação progressiva e aguda no cérebro que, na maioria dos casos, leva ao óbito. O tratamento após a exposição ao vírus inclui o cuidado do local do ferimento, a vacina pós-exposição e a imunização passiva com o soro antirrábico e imunoglobulinas (solução concentrada e purificada de anticorpos, preparada a partir do soro de indivíduos imunizados contra a raiva).
Em caso de mordedura, lambedura e arranhadura de animal suspeito, o primeiro passo é saber se o animal está vacinado contra a raiva e se ele pode ser observado por 10 dias, tempo máximo de apresentação de sintomas. É também recomendável procurar uma unidade de saúde para avaliação.
“Como a doença pode se manifestar no humano em até 45 dias, a vacina pós-exposição induz a formação de anticorpos protetores contra o vírus rábico e o soro tem o poder de neutralizá-lo. Tanto a vacina como o soro evitam que ele se espalhe, que a pessoa tenha a doença e vá óbito. Mas é importante que a intervenção ocorra o quanto antes para evitar a replicação do vírus e que ele chegue até o sistema nervoso central”, ressalta a pesquisadora do Butantan.
Quem pode tomar a vacina contra a raiva?
A vacina contra raiva é indicada para crianças e adultos. Ela pode ser administrada antes e após a exposição ao vírus, como vacinação primária ou como dose de reforço. A dose de reforço deve ser administrada de acordo com o risco de exposição.
Como a vacina contra a raiva funciona?
A vacina contra a raiva inativada age estimulando o organismo a produzir sua própria proteção (anticorpos) contra a doença. A vacinação abrange a prevenção antes da exposição (profilaxia pré-exposição), indicada para pessoas expostas a risco frequente de contaminação como veterinários, funcionários de abatedouros etc., bem como a prevenção após suspeita ou confirmação de exposição ao vírus (profilaxia pós-exposição), resultante, por exemplo, de mordidas ou arranhões por cães ou outros animais.
Onde tomar a vacina contra a raiva?
Se uma pessoa for mordida, lambida ou arranhada por um animal suspeito, deve lavar o local ferido com água e sabão e procurar a unidade de saúde mais próxima, onde poderá receber as doses da vacina.
Como o soro contra raiva funciona?
O soro antirrábico age aumentando o período de incubação da doença, pois neutraliza as partículas virais no local do ferimento, proporcionando um tempo mais longo para a instalação da imunidade induzida pela vacina, que deve ser aplicada concomitantemente ao soro. Quanto mais precoce for a administração do soro antirrábico, maior será seu potencial terapêutico.
A vacina e o soro são a mesma coisa?
A vacina produz anticorpos protetores contra o vírus rábico por ser é inativada, sem risco de causar a doença. O soro, por sua vez, é uma solução purificada de anticorpos preparada a partir do soro de equinos hiperimunizados contra a raiva. Já a imunoglobulina é uma solução concentrada e purificada de anticorpos, preparada a partir do soro de indivíduos imunizados contra a raiva.
Qual o esquema de vacinação indicado para humanos?
Conforme a Nota Técnica Nº 8/2022-CGZV/DEIDT/SVS/MS do Ministério da Saúde, para os casos que envolvem a vacinação pré-exposição, são indicadas duas doses (nos dias 0 e 7), além do controle de anticorpos protetores, que são feitos através de testes laboratoriais que indicam se há necessidade de novas doses da vacina ou se a pessoa continua protegida contra uma possível exposição ao vírus.
Já em casos pós-exposição, deve-se iniciar o esquema vacinal de quatro doses: nos dias 0, 3, 7 e 14 após o acidente.
Reportagem: Camila Neumam Foto: José Felipe Batista e Thiago Lemos